por Rikardo Santana da Silva
Torcedor fanático do Comercial de Ribeirão Preto, interiorano com muito orgulho e palmeirense por opção, já que mora na cidade de São Paulo. É assim que Wilson da Costa Bueno se define em seu blog na internet (www.blogdowilson.com.br). Atual presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), Bueno, em entrevista concedida á UNIVERSO Humanas, conta como anda a divulgação científica no Brasil. As notícias não são tão agradáveis. Apesar do crescimento que tem se visto nos últimos anos, ainda temos um caminho longo a percorrer.
P: A população está interessada na divulgação científica?
R: Depende do nível de informação dessa “população”, mas em princípio temas científicos chamam a atenção, particularmente quando são espetaculares. O fundamental é mudar essa situação, com uma cobertura competente e regular da ciência e da tecnologia. Há excelentes pautas para serem divulgadas.
P: Como a mídia tem divulgado a ciência ultimamente?
R: Há dois cenários possíveis. A mídia especializada ou que dispõe de profissionais capacitados para essa divulgação tem realizado um trabalho competente, de qualidade, mas em geral há problemas com a divulgação na imprensa brasileira, ainda carente de profissionais e sobretudo pela visão equivocada de editores e empresários da comunicação com relação à importância da divulgação científica.
P: Como fazer para que esses empresários da comunicação deem mais atenção para a divulgação científica?
R: Não é uma tarefa fácil, e é fundamental que os jornalistas comprometidos com a divulgação científica façam um bom trabalho de convencimento interno nas redações.
P: O jornalismo científico tem avançado nos últimos anos?
R: Bastante, em particular na Web, onde novos espaços têm sido abertos para a divulgação da ciência e da tecnologia.
P: E a qualidade, também aumentou?
R: Sim, sobretudo pela melhor capacitação dos jornalistas, embora tenhamos ainda muitos desafios a vencer. Além disso, algumas universidades e institutos de pesquisa têm se dado conta da importância de democratizar o conhecimento científico e implantado estruturas profissionais de comunicação.
P: Se há um crescimento de cursos especializados e o interesse em ciência tem aumentado, o que falta para a divulgação científica ser ampliada e melhorada?
R: Falta envolver, no caso brasileiro, um número maior de veículos e sensibilizar editores e empresários. Mas ela tem sido ampliada e melhorada ao longo do tempo, em particular neste século.
P: Qual a qualidade dos cursos que estão surgindo?
R: Os propostos por universidades de prestígio (como, por exemplo, Unicamp) são de bom nível, e há boas propostas que deverão ser implementadas em breve.
P: Por que o interesse, principalmente dos universitários, no jornalismo científico tem aumentado?
R: Pela emergência de temas de relevância, como células-tronco, mudanças climáticas, nanotecnologia, transgênicos etc etc. Enfim, a ciência e a tecnologia ocupam hoje papel importante na vida dos cidadãos e impactam o seu mundo.
P: O que um estudante universitário pode fazer para contribuir para o desenvolvimento da divulgação científica?
R: Buscar informações qualificadas sobre os temas que estão na agenda da mídia e da sociedade, identificar fontes para essa cobertura, ler textos básicos sobre história, sociologia e filosofia da ciência e sobre o sistema de produção científica. Será fundamental acompanhar o dia-a-dia dos principais centros de excelência nessa área no Brasil. Isso é possível com uma boa navegada pelo site das nossas principais universidades e centros produtores de conhecimento. Ler as revistas de divulgação científica (Ciência Hoje, Revista Pesquisa FAPESP, Minas faz Ciência, Galileu, Super Interessante, Scientific American Brasil) é também uma maneira de acompanhar a área.
P: O jornalismo científico hoje no Brasil não fica muito restrito a pautas que estão ligadas a outros países?
R: Depende. Nos veículos que mantêm editorias e profissionais capacitados para esta cobertura, a ciência e a tecnologia brasileiras já ocupam um espaço e tempo importantes, mas, em geral, você tem razão: estamos ainda a reboque da notícia e do material importado.
P: Como a mídia poderia melhorar a cobertura da ciência produzida no Brasil?
R: Capacitando os profissionais para essa cobertura, abrindo tempo e espaço para a divulgação científica e, sobretudo, exercendo o papel que dela se espera do ponto de vista da formação dos cidadãos.
P: Os estudos acadêmicos tem alguma divulgação por parte da mídia?
R: Tudo depende da estrutura do instituto de pesquisa ou da universidade onde os estudos são realizados. As universidades paulistas (USP, Unicamp e Unesp) fazem uma boa divulgação de suas pesquisas (mas ainda aquém do ideal), alguns institutos e empresas de pesquisa são absolutamente competentes nessa divulgação (casos da Embrapa e da Fiocruz). Em geral, como as estruturas de divulgação são tímidas e falta consciência da importância da divulgação científica, não se pode generalizar mesmo. O panorama geral a esse respeito no Brasil não é favorável, muito longe disso.
P: As universidades brasileiras têm produção científica suficiente para a mídia cobrir?
R: Muito mais do que a mídia precisaria para dar um espaço digno para a ciência e a tecnologia nacionais. Elas não têm, em geral, embora estejam melhorando com respeito a este aspecto, estruturas ágeis e competentes para disseminar os resultados de pesquisa e os seus projetos, mas o problema não é mesmo produção.
P: Uma melhor estrutura de divulgação por parte das universidades poderia fazer com que a dependência de matérias "importadas" diminua?
R: Com certeza, essa é certamente a melhor alternativa para incrementar a divulgação da pesquisa brasileira. O problema não são as matérias importadas, mas a ausência maior de boas pautas nacionais, sobretudo as que se originam fora do eixo Rio/São Paulo e das universidades de maior prestígio (USP, Unicamp, Unesp, UFRJ etc).
P: Por que o jornalismo científico fica restrito aos fatos sensacionais?
R: Por um viés da mídia e falta de consciência dos editores e empresários da comunicação. O sensacionalismo infelizmente ainda predomina na cobertura.
P: Quais são os perigos éticos que um jornalista que trabalha com ciência terá de enfrentar?
R: Há interesses de toda ordem rondando a produção e a divulgação científica. Posso apontar interesses privados (indústria da saúde, da biotecnologia, agroquímica, de papel e celulose etc etc), interesses políticos, militares etc. Há fontes aparentemente independentes, mas que são bocas alugadas de grandes corporações. Logo, todo cuidado é pouco.
P: Como o jornalista que trabalha com ciência pode identificar os interesses de empresas e governos e fugir deles?
R: Confrontando as fontes, buscando identificar os compromissos dos pesquisadores que escrevem ou dão entrevistas para a mídia, tendo maior conhecimento do tema que vai ser coberto etc. Em princípio, toda informação deveria merecer este tipo de crivo. Há muitos interesses (comerciais, políticos, militares, econômicos etc) em jogo nesta área.
P: Você afrima em um de seus artigos que o jornalismo científico tem que investigar mais. Como o jornalista pode fazer essa investigação do assunto?
R: A principal investigação a ser feita é sobre os interesses de quem está gerando a informação científica. Como mencionado na resposta anterior, há interesses de toda ordem em jogo, e governos e empresas privadas são agressivos no sentido de vender pautas que os favorecem.
P: Como é a divulgação científica em outros países?
R: Em alguns países (Estados Unidos, Japão, França ,Espanha, Alemanha, Reino Unido, para só citar alguns exemplos), há uma consciência maior sobre a importância da divulgação científica, e institutos de pesquisa e universidades estão interessados em divulgar seus resultados e projetos porque sabem que, com isso, legitimam a sua atuação. Os bons jornalistas científicos brasileiros, no entanto, nada ficam devendo aos colegas de outros países.
P: Por que institutos de outros países têm mais interesse em divulgar suas pesquisas do que os brasileiros? Existe algum receio por parte das nossas instituições?
R: Não, não há receio em geral (embora isso possa acontecer pontualmente), mas há mesmo uma falta de cultura de comunicação. No Brasil, com raras exceções, não há interesse ou disposição para compartilhar as informações especializadas com o público leigo. Não se valoriza a divulgação científica; pelo contrário, posso afirmar que há até preconceito de determinados segmentos e do próprio Governo (apesar do discurso contrário) com respeito sobretudo ao jornalismo científico.
P: Por que ocorre esse preconceito do Governo quanto ao jornalismo científico?
R: O preconceito não é bem do Governo, mas de pesquisadores que trabalham para o Governo e que não conseguem se comprometer com a divulgação e com o jornalismo científico porque não julgam importante o diálogo com a sociedade.
P: A divulgação de estudos na área de humanas é menor do que de outras áreas?
R: Absolutamente menor e isso se deve tanto ao predomínio das chamadas “ciências duras” e ao preconceito em relação às ciências humanas. Nas relações de poder, as engenharias, as ciências físicas e biológicas prevalecem na direção dos institutos, nas prioridades de investimento em pesquisa etc. Há veículos que não dão às chamadas ciências humanas o estatuto mesmo de ciências.
P: E a produção de pesquisas na área também é menor?
R: A produção de pesquisa na área de Humanas pode não ser menor, mas tudo depende mesmo de quem avalia essa produção. Em princípio, há também preconceito com respeito às Humanas, sobretudo por colegas de outras áreas que costumam usar seus "instrumentos" para avaliar a relevância das pesquisas na área. Devemos também ter culpa no cartório.
P: O que a ABJC faz para melhorar essa divulgação da ciência?
R: Para ser sincero, temos feito muito menos do que deveríamos fazer, seja por falta de estrutura ,seja porque temos sido acomodados ao longo do tempo. Estamos despertando agora para esse papel, que temos cumprido apenas em parte. Realizamos eventos, ampliamos o debate sobre a capacitação na área, mas é preciso reconhecer, precisaríamos fazer muito mais. Jornalistas e professores costumam ser muito ocupados, e este é sempre o nosso caso, mas acho que não nos empenhamos o suficiente e não temos tido competência para mobilizar mais gente. Quem sabe, com gente jovem chegando,a gente consiga oxigenar a ABJC e dar um salto qualitativo nessa contribuição.
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