terça-feira, 14 de julho de 2009

A teoria que nos igualou

por Rikardo Santana da Silva

Saiba um pouco mais sobre a teoria da evolução de Darwin que apesar de ter sido usado para nos separar, no fim mostrou que somos todos iguais.

Em 1831, um aspirante a reverendo, junto com vários outros teólogos, parte em uma viagem a bordo do navio Beagle ao redor do mundo com um propósito: provar a existência de Deus. Após 28 anos, este homem de fé acabou lançando uma teoria que foi completamente oposto ao propósito da viagem, uma idéia que acabou matando Deus, ou pelo menos a idéia de que Ele criou tudo e pronto.

No ano de 1859, o britânico Charles Darwin publicou o livro “A origem das espécies”, um livro que revolucionou a forma como pensamos a criação de nosso planeta. A teoria da evolução das espécies, descrita nesta obra, fala sobre como nós, e todos os outros animais do planeta, se transformaram no que são hoje, e não existe nada de “mágico” ou de divino nisso, tudo isso é apenas uma evolução natural.

A demora na publicação da teoria se deveu ao fato de Darwin ser um homem religioso. Quando percebeu que suas idéias poderiam destruir a crença de milhões de pessoas (incluindo a dele) ele adiou a sua publicação, até que tomasse definitivamente coragem para “matar Deus”. “A primeira grande transformação, causada pela teoria, foi a quebra brutal que houve entre ciência e igreja.”, conta o professor do curso de biologia da Universidade Positivo Eliseu Vieira. Mas o que esta teoria tem de tão especial para os cientistas e de “monstruoso” para os religiosos?

A teoria assassina

Primeiro a pergunta: o que é evolução? “Evolução é mudança, transformação, é quando uma espécie deixa de ser uma coisa e passa a ser outra. Um organismo com uma morfologia, após algumas transformações têm uma outra morfologia, melhores ou piores, depende do ponto de vista. Por exemplo, um cachorro é um bom caçador, tem um ótimo faro, nós podemos ser bons caçadores, mas não temos bom faro, temos inteligência para fazer lanças, por exemplo”, explica o professor Eliseu.

A evolução é como as diferentes espécies do mundo encontraram para se “fixar” no planeta, a máxima “os mais fortes sobrevivem”. Mas o “forte” não significa exatamente força. A evolução pode estar em ser mais pequeno, em ser mais ágil, em ter um bico mais longo, uma pata maior ou menor, ou em ter uma inteligência mais desenvolvida, nosso caso.

A partir desta constatação, a ciência começou a estudar os seres vivos com esse pensamento. A evolução mostrou que tínhamos todos, de uma certa forma, um ancestral comum, e isso foi benéfico para várias áreas. “A longo prazo a teoria trouxe uma compreensão maior entre os organismo, pois de alguma forma eles tem uma ancestral em comum. Eu posso fazer uma experiência de laboratório com um rato e presumir que o resultado seja parecido em humanos, pois somos mamíferos e por isso temos um ancestral em comum em algum momento no passado, possibilitando assim um desenvolvimento da medicina”, conta Eliseu.

Essa ação acaba colocando todos os animais, nós inclusos, no mesmo jogo. A teoria mostrou que nós somos apenas mais um animal adaptado ao meio, nada de mais. Não éramos mais o centro do universo muito menos o animal mais evoluído, somos apenas mais um dentre milhões de espécies. Além disso, a teoria mostrou que os animais não nasceram prontos do jeito que estão, quebrando a idéia da criação. Com isso, a teoria demorou a ser aceita, pois ela não matava apenas Deus, matava também nosso ego.

Para exemplificar a teoria vou usar um exemplo bem banal. Imagine que você esteja querendo pegar algo que caiu em uma pequena fresta. Você não consegue alcançar aquele objeto por que seu braço é muito curto. Então você pede ajuda a um amigo que tenha um braço maior, mas ele também não alcança, pois seu braço é muito grosso, então vem uma terceira pessoa que consegue pegar o objeto, pois seu braço é longo e fino. Agora imagine esta situação na natureza, e imagine que este objeto fosse um alimento, o único na região que sua espécie podia comer. O único que conseguiria pegar o alimento seria o indivíduo com o braço fino e longo, não importando se ele era mais forte, mais ágil ou mais inteligente, mas apenas aquela característica o faria passar mais descendentes enquanto você e seu amigo passariam fome e não gerariam descendentes. Portanto, os próximos da espécie terão todos braços finos e longos.

Estas situações ocorreram em todo o planeta das mais diversas formas possíveis e, os animais que sobreviveram hoje usaram modos diferentes de conseguir o que queriam (no exemplo anterior, por exemplo, nós poderíamos usar uma ferramenta, já que temos polegares e uma inteligência maior). Após bilhões de anos as espécies foram se adaptando as mudanças que ocorriam no mundo das mais variadas formas.

Entre eras glaciais, aquecimentos globais (sim, isso já aconteceu), asteróides e outros fenômenos naturais, as espécies que melhor se adaptaram dividem o mundo hoje conosco. E ponto final. Quer dizer quase. A teoria da evolução, apesar de ser comprovada, ser uma certeza científica, tem muitas lacunas em aberto, por isso é pesquisada até hoje. Várias outras ciências usam o darwinismo para explicar seus fenômenos. Das condições sociais de uma população aos buracos negros, tudo usa Darwin, ou usa Dawkins. Mas quem é esse Dawkins? É quem colocou um novo elemento na teoria.

Releituras

“A origem das espécies” diz que os seres mais bem preparados se adaptam e continuam as linhagens. Com isso, os mais bem adaptados ficam mais tempo na Terra, e nesse jogo somos totais retardatários, pois surgimos a pouquíssimo tempo, comparando com a idade do planeta. Tudo ia muito bem com esta idéia até que alguém ergueu a mão e disse outra coisa.

Na década de 70 uma teoria começou a ecoar no meio científico: a teoria do gene egoísta. Outro britânico, Richard Dawkins, mostrou um complemento ao darwinismo, que não existia porque Darwin não conhecia genética. “A seleção natural é um mecanismo como os organismos vão mudando com o tempo. Com o redescobrimento dos trabalhos de Mendell sobre genética, surge uma fusão com as idéias de Darwin, chamado de neodarwinismo”, explica Eliseu. Parte deste neodarwinismo é a teoria de Dawkins.

Para ele, a evolução acontecia simplesmente porque os genes queriam, o que matou ainda mais Deus (Dawkins é um ateu fervoroso) e matou ainda mais nosso ego, pois mostrou que além de não sermos nada em comparação ao universo e a evolução, somos apenas uma máquina comandada por genes.

A teoria do gene egoísta não mata Darwin como ele fez com Deus, mas a complementa, mostrando que quem esta no comando da vida são nossos genes. Isto fica bem característico com o mapeamento do genoma dos animais. A porcentagem de genes parecidos que temos com animais que hoje habitam o planeta, mostra que há algo em comum conosco, e que os genes tem alguma ligação nisso. Tudo em nossas relações está ligado nisso, até mesmo o sexo, que é apenas uma forma melhor que os genes encontraram de continuarem no planeta.

Imagine uma bactéria. Virtualmente ela é imortal, pois se reproduzem de forma assexuada, dividindo-se em duas. Se em alguma dessas divisões houver um erro, este erro será passado para todas as outras, fazendo com que estes genes sejam perdidos, pois não sobreviveriam às mudanças. O sexo então foi usado para que, se houvesse um erro em um gene, ele pudesse ser corrigido com o relacionamento com seres diferentes, que não tem estes erros, anulando-os ou os fazendo hibernarem.

A teoria também mostra que a “briga” não é entre espécies, mas sim entre indivíduos, comandados pelos seus genes que querem ser passados adiante. Esta evolução da teoria da evolução só pôde acontecer a partir do momento que passamos a estudar a genética e ver que somos todos iguais sobre a perspectiva genética, pois temos os mesmos genes, mas teve gente que não pensava assim.

Darwin assassino

Mas Darwin também foi usado para dizer completamente o contrário, que somos diferentes e que alguns são superiores a outros. O darwinismo social foi algo que vigorou no início do século XX e que foi usado como uma arma de destruição em massa pior que a bomba atômica, pois foi a partir desta idéia “científica” que surgiu o nazismo e a eugenia, que matou milhões de pessoas em nome da superioridade e da seleção natural.

Este uso errado das ciências biológicas pelas ciências humanas tentava explicar porque alguns grupos de pessoas eram mais inteligentes que outros, numa teoria tão científica quanto aquela que dizia que um homem era rei porque Deus queria. Esta idéia esta hoje derrubada dos círculos das ciências sociais, mas o estrago que ele fez ainda hoje podem ser sentidos, talvez mais do que os efeitos da bomba de Hiroshima.

A teoria de tudo

Outras ciências usaram o darwinismo durante os últimos anos para explicar seus fenômenos, e uma delas é a astronomia. Nos últimos anos, uma teoria tem falado sobre a seleção natural feita em termos universais, ou seja, entre planetas, estrelas e até mesmo galáxias. Segundo a matéria “Evolução da evolução” publicada na revista Superinteressante de junho de 2007, o físico norte-americano Lee Smolin fez uma teoria que trouxe Darwin para a física quântica. Segundo esta teoria, todo o universo é uma seleção natural.

Antes de existir tudo, não existia nada. Quer dizer existia, mas em um minúsculo ponto. Um dia este ponto explodiu e criou tudo o que conhecemos. Hoje o universo está repleto de pontos assim que sugam tudo que está em volta para eles, incluindo o tempo. São os buracos negros. E o que isso tem a ver com Darwin? Smolin acredita que na verdade nosso universo é apenas um dentre muitos que existem num lugar chamado de multiverso.

Neste multiverso, quem conseguir gerar mais universos têm mais “descendentes” e como os buracos negros são parecidos com o ponto que deu origem, Smolin concluiu que os buracos negros seriam big-bangs que criariam novos universos neste multiverso, o universo com mais buracos negros teriam mais “descendentes” neste multiverso, e é aí que entra o darwinismo.

Um buraco negro, em síntese, é uma estrela morta. Com isso, para se ter mais buracos negros são necessárias mais estrelas, e para se ter estrelas são necessárias nebulosas, um berçário das estrelas. Para que as nebulosas gerem mais estrelas, segundo a matéria da Superinteressante, elas precisam ser frias e para que isso ocorra é necessário carbono, que é o elemento primordial para se ter vida, e graças a esse empenho do universo em ter mais “filhos” do que os outros é que você está lendo esta matéria.

A teoria hoje

No final de tudo Darwin não matou Deus. Sua teoria mostrou um novo ponto de vista que foi usado tanto para nos matar quanto para dizer que somos apenas um subproduto, um efeito colateral de uma “compra” excessiva de carbono feita pelo nosso universo apenas para ter mais descendentes do que os outros universos, mas estas duas teorias ainda não são comprovadas, como a de Darwin, mas estão sendo estudadas, como a teoria da evolução continua sendo. “O grande desafio do processo evolutivo é compreender como algumas estruturas morfológicas aparecem, desaparecem depois de milhões e reaparecem depois. Chamamos isso de evodevo, que é evolução mais desenvolvimento, junta-se genética, desenvolvimento embrionário para tentar entender como alguns momentos da evolução produz transformações muito grandes em um curto espaço de tempo. Queremos entender os processo que levam essa evolução e saber como éramos no passado para termos uma base para especular o que acontecerá no futuro”, finaliza professor Eliseu.

Se você não queria saber que sua existência não passa de um mero acaso do cosmos, saiba que Darwin também não queria, mas este é o preço do conhecimento e talvez esta seja a maior contribuição de Darwin a de que o que importa é sabermos para podermos ver que no fim todos viemos do mesmo ancestral, ou quem sabe do mesmo gene ou até do mesmo carbono e isso nos faz iguais.

publicado originalmente no Laboratório da Notícia (LONA)

Nenhum comentário: