Obras de Shakespeare influenciaram gerações de escritores, porque?
O ano era 1580. Em Portugal, com a morte do rei D. Henrique I, o país perde a independência para a Espanha. A Sibéria começa a ser conquistada pela Rússia. Juan de Garay descobre a região que hoje é Buenos Aires. Também naquele ano, o inglês sir Francis Drake circunavegou o globo, mas se ele soubesse que em Londres iria acontecer a primeira apresentação teatral de um dos maiores dramaturgos da história, talvez ele adiasse sua viagem para depois disso.
No Globe Theatre, na capital britânica, foi que William Shakespeare apareceu para o mundo, primeiro como ator, mas em pouco tempo seu talento para compor peças seria reconhecido e o transformaria num dos maiores dramaturgos da história, fazendo suas obras serem importantes mesmo centenas de anos depois de sua morte.
Ser ou não ser? Matar ou não matar? Morrer ou não morrer? Viver ou não viver? Amar ou não amar? Estas são dúvidas presentes nas obras de Shakespeare. Alguns destes questionamentos, e tantos outros presentes em sua obra são os mesmos que fazemos a nós mesmos na esperança de encontrar uma resposta. Tentamos encontrar significados para o que fazemos, motivos, algo que justifique nossas ações e até mesmo nossa existência, e quando erramos, tentamos lavar nossas mãos na esperança de que a água leve nossos erros.
Todos estes questionamentos foram há muito tempo explorados por vários escritores, por filósofos, psicólogos e vários outros estudiosos, mas quando vamos olhar quem é o mais conhecido difusor destas dúvidas do âmago humano vamos nos deparar com um inglês nascido no ano de 1564 na pequena cidade de Stratford-upon-Avon. Ele era o mesmo jovem que se apresentou no Globe Theatre em Londres e que o sir Francis Durke perdeu por estar dando a volta ao mundo.
Tão famoso como seu nome foram suas obras, que mesmo quem nunca sequer as leu ou foi ver uma peça sobre elas, sabe suas histórias. Shakespeare escreveu tanto comédias, tragédias e dramas históricos como poemas, e com estas obras influenciou gerações de escritores mundo afora, inclusive no Brasil, onde podemos perceber esta influencia no maior escritor brasileiro Machado de Assis.
Mas porque as obras de Shakespeare são tão importantes? Parte da resposta está no fato e que as obras de Shakespeare mostram um ser humano mais humano do que outras obras do mesmo período ou de épocas anteriores. Não era um herói grego o protagonista da história, mas sim um ser humano passível de erros, que tinha consciência, pensava sobre seus atos, que se arrepende e que principalmente queria algo, tinha sonhos. Estes sonhos ás vezes não eram alcançados, como na vida. O destino é mais cruel e impõe barreiras aos sonhos, como nas obras do dramaturgo inglês.
Tragédias da vida real
Romeu e Julieta. A história é simples: um casal de apaixonados quer se casar, mas os pais são de famílias rivais e impedem isso. Julieta elabora um plano de fingir-se de morta para fugir com seu amado. Romeu não sabe do plano, vê sua amada morta e decide se matar, quando Julieta acorda percebe Romeu morto e também se mata. Com certeza você já deve ter ouvido esta história de várias maneiras diferentes, em várias roupagens e cenários, mas foi Shakespeare que a transferiu para a ficção.
A grande pergunta a se fazer é a seguinte: Shakespeare seria tão famoso se Romeu e Julieta terminassem felizes para sempre? Se Macbeth não matasse o rei da Escócia? Se Othelo não ficasse cego pelo ciúme e matasse Desdemona? Se não houvesse algo de podre no reino da Dinamarca? É claro que não seriam mais tragédias, mas será que seriam grandes obras citadas por várias gerações como são? Talvez não. Isso porque estas histórias do dramaturgo só são tão aclamadas justamente por mostrarem todos os sentimentos humanos em suas mais variadas formas possíveis.
Esta percepção de que a obra shakesperiana é importante para a compreensão humana já foi estudada por vários críticos literários, entre eles está Harold Bloom, que escreveu o livro “Shakespeare: A invenção do humano”. Bloom vai além da idéia de que o inglês tenha apenas retratado o humano, para ele Shakespeare inventou o que é ser humano. Ele afirma isso ao fazer uma análise de todas as obras e mostrar as representações humanas presentes nelas.
Ao não mostra um happy end, estas obras acabaram ficando eternizadas na memória coletiva da civilização ocidental como uma representação de como nos comportamos, nossos medos, nossas virtudes e nosso modo de ser. Quando é mostrado o ciúme doentio de Othelo, não se está apenas falando do personagem, mas sim de todos aqueles que já ficaram cegos e se renderam a fofocas ou a provocações. A loucura de Hamlet, a obssesão de Macbeth, o caso de amor de Antonio e Cleóprata, a prova de amor não apresentada por Cordélia em Rei Lear, tudo isso tem uma representação na vida real de alguma forma. Inveja, raiva, ciúme, desejo, sonhos, amor, ódio, tudo isso está presente na obra shakesperiana, em grande ou pequena dose. Mas há mais coisa entre o céu e as obras do que imagina nossa filosofia.
Ler ou não ler?
A importância da obra de Shakespeare já está mais do que estudada. Seus textos são altamente difundidos ao redor do globo, e não apenas do teatro globo. Mas então fica a pergunta: Porque ler Shakespeare? Suas histórias são tão difundidas e citadas que fica mais fácil ficar parado e aprender por osmose do que se dispor a emprestar uma obra dele e lê-la.
O motivo para ler suas obras é o mesmo que provavelmente o sir Durke teve ao sair numa volta ao mundo: conhecer o mundo através de seus olhos e não dos outros. Será que esta importância dada ao dramaturgo inglês será eterna? Shakespeare sempre será citado? Não sei, mas sei que suas obras estarão nas bibliotecas à espera de alguém que a leia e a interprete de uma maneira diferente, ou que se veja representada nela.
A forma como o poeta descreveu o ser humano foi uma das mais completas já vistas na literatura e isso o transformou em um dos maiores escritores da história, inspirando outros autores, como Goethe e Machado de Assis, assim como cineastas como Akiro Kurosawa e vários outros que transcreveram as emoções humanas dos palcos para as telas. Shakespeare não vivia em uma época como a nossa, mas as emoções e as nossas características de tomar decisões ou de não tomá-las é eterna e independente de geração, e é isso que faz da obra dele importante.
Shakespeare de certa forma foi um sociólogo antigo. Mostrou como somos, como são nossas emoções, como são nossos sentimentos e de certa forma suas obras foram um espelho não só de uma sociedade, mas de uma espécie. A diferença dele para os sociólogos é que ele não fez análises, não fez estudos e muito menos pesquisas, apenas retratou o que via. Como o próprio Shakespeare dizia “Lutar pelo amor é bom, mas alcança-lo sem luta é melhor”, assim como analisar a humanidade é bom, mas conseguir entende-la sem análise é melhor, foi o que ele fez.
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